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quarta-feira, 27 de junho de 2012

Toda uma carreira esperando o E.T. telefonar

Certa vez, Jill Tarter se queixou comigo, dizendo não ter poesia na alma.


Toda uma carreira esperando o E.T. telefonar
Certa vez, Jill Tarter se queixou comigo, dizendo não ter poesia na alma.
Era 1990 e a NASA estava se preparando para realizar um levantamento das 1.000 estrelas mais próximas à Terra, em busca de sinais de rádio alienígenas. Tarter, que então tinha 46 anos e trabalhava como pesquisadora do Centro de Pesquisa Ames da NASA em Mountain View, Califórnia, estava no comando da pesquisa.
"Eu não tenho como dizer como eles são", suspirou ela, quando pedi que especulasse sobre a natureza e as motivações desses supostos alienígenas.
Ela estava preocupada demais tentando reconhecer sinais, para não falar de como também se ocupava em não ser enganada por crianças vizinhas, instabilidades climáticas ou satélites espiões.
Durante cerca de três décadas, Tarter, agora com 68 anos, foi a principal candidata a fazer contato com os extraterrestres- aquela que soaria o alarme, espalhando a notícia de que não estamos sozinhos.
Agora, Tarter está se afastando do radiotelescópio, aposentando-se do cargo de diretora do Centro de Pesquisa SETI no Instituto SETI, em Mountain View. SETI quer dizer "busca por vida inteligente no universo" ("search for intelligent life in the universe").
"O Instituto SETI tem um bom plano de previdência – somos adultos", disse ela por telefone recentemente.
Na SETIcon, uma reunião de astrônomos, astronautas e fãs de ficção científica, serão realizados um jantar e discursos em sua homenagem. O evento acontecerá em Santa Clara neste fim de semana.
"Espero que não sirvam um assado", disse ela.
Tarter nunca chegou a dar a notícia de que não estamos sós. Mas isso, afirma ela, não é decepcionante. Decepcionante seria se os seres humanos não tivessem maneira alguma de procurar os seus vizinhos.
Ao longo das décadas, ela se distraiu de sua investigação poucas vezes.
Certa vez, quando um repórter (certo, era eu) descreveu o cabelo loiro de Tarter, amarrado com uma fita rosa em um rabo de cavalo, ela cortou o cabelo bem curto.
Quando os pesquisadores do SETI receberam um radiotelescópio novo para a realização da pesquisa – a matriz Allen, do Observatório Hat Creek da Universidade da Califórnia, localizado no norte do Estado – ela tirou uma habilitação de piloto para fazer a viagem de sua casa, em Berkeley, em uma hora em vez de seis .
A interpretação de Jodie Foster como astrônoma que de fato faz contato com alienígenas, no filme "Contato", foi em grande parte baseada no tempo que a atriz passou com Tarter.
Tarter conta que por três vezes pensou que tinha feito contato, mas sua cautela e obstinação prevaleceram. Uma das vezes foi na França, em 1980, quando ela e sua equipe tiveram de esperar que uma fonte suspeita passasse sobre o seu telescópio, e Tarter sentiu receio de cair no sono. "Eu tive que ficar acordada por três noites, com medo de que os meus colegas franceses ligassem para o Le Monde", lembrou ela.
Na outra ocasião, ela estava observando o céu com um radiotelescópio na Virgínia Ocidental. Tarter chegou a alertar colegas da Califórnia a respeito de um sinal que parecia ser promissor – depois, esqueceu de avisá-los quando descobriu que se tratava de um satélite.
Nenhum deles era um E.T. Ambos foram equívocos, mais itens para a lista de Tarter, outro passo que precisava ser trilhado em um caminho que pode ou não chegar a um fim.
Foi na década de 1970, quando era aluna do doutorado em Astronomia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e já tinha uma filha, que Tarter ouviu pela primeira vez a respeito da SETI: a ideia de que espécies solitárias pudessem abrir caminhos entre os vazios através das estrelas com ondas de rádio. Ela se apaixonou pelo projeto após ler um relatório da NASA sobre o assunto, editado por Barney Oliver, ex-chefe de pesquisa da Hewlett-Packard. Algo confortante foi o fato de que Oliver era um sujeito cabeça-dura, que tinha construído fortuna para si e para outros, e não o tipo de homem dado a fantasias românticas. Alguém também obstinado, poderíamos dizer.
Tarter disse se considerar sortuda por ter nascido em uma época em que a questão da vida no universo havia se tornado um assunto científico, e não filosófico ou religioso. 'Pela primeira vez, passamos a dispor de uma tecnologia que nos possibilitava fazer experiências em vez de fazer perguntas a padres e filósofos', disse ela.
'Pode levar várias gerações', acrescentou ela, 'mas não havia razões para não começarmos com as ferramentas que tenho'.
O levantamento da NASA que Tarter dirigiu começou com grande alarde, no Dia do Descobrimento da América de 1992, o 500º aniversário da chegada do grande explorador Cristóvão Colombo nas Américas – dia que ela descreveu como o ponto alto de sua vida, um monumento à curiosidade humana. 'Eu me senti muito orgulhosa', lembrou.
Um ano depois, o levantamento chegou ao fim, cancelado a pedido de um senador, Richard Bryan, do Nevada, que ficou ressabiado em relação aos 'homenzinhos verdes'.
Com a ajuda de amigos do Vale do Silício, Tarter e seus colegas do instituto levaram a pesquisa para o âmbito privado. Algum tempo depois, a equipe expandiu a exploração para áreas mais longínquas do espaço, identificando planetas em torno de estrelas com a sonda Kepler.
No ano passado, no entanto, a recessão deixou a Universidade da Califórnia sem verba para operar o Observatório Hat Creek, e a matriz Allen teve que ser desligada, momento que Tarter chamou de pior fase da sua carreira.
'Ter construído esse instrumento tão lindo e depois ter tido de desligá-lo, isso doeu', disse ela.
Agora, a matriz Allen está de volta à ativa no trabalho de investigação cósmica, graças a um acordo de compartilhamento feito com a Força Aérea. Para Tarter, porém, esse processo funcionou como um alerta: a SETI necessita de um fundo permanente. 'Isso está na minha lista de afazeres', disse ela no inverno passado.
Sendo assim, ela não vai se afastar tanto assim. Vai ficar nos bastidores, concentrando-se em angariar fundos. É hora, disse ela, de recorrer ao Vale do Silício 2.0.
A pesquisa, explicou ela, é 'longa e complicada demais. Se quisermos atrair os melhores e mais geniais profissionais, temos que conseguir dizer: 'Tudo bem, eles podem fazer planos de ter uma família''.
Houve uma época em que essa era uma ideia louca, romântica, talvez nada mais do que uma ilusão. Ela ainda é, mas tentar nos faz sentir maiores e mais adultos. E agora, ela vem acompanhada de benefícios de adultos, como um plano de aposentadoria.
Havendo ou não poesia na alma de Tarter, toda a sua carreira foi um poema.
                                                                                                            The New York Times News

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